segunda-feira, 27 de julho de 2009

O AMIGO SECRETO

Giuseppe e Batistina esperam ansiosos pelo décimo filho. Tudo lhes parece como a primeira vez, sonhos e expectativas. É uma menina! Em 31 de outubro de 1696, nasce em Nápoles Júlia Marcela Santa, que futuramente receberá o nome de Maria Celeste Crostarosa.
Cresce em ambiente harmonioso, fortalecida pela vivência da fé, pelo testemunho das virtudes e piedade de seus pais. Úrsula, sua irmã oito anos mais velha, e Joana, a irmã caçula, acompanham-na em sua caminhada espiritual.
Júlia começa cedo sua vida de oração e intimidade com Jesus, e isto vive com naturalidade:

"Tendo cinco ou seis anos, começou o Senhor a dar-me conhecimento de sua divindade, sem eu saber nada, tão suave estimulou em mim o desejo de amá-lo e servi-lo... chamava-me e me impelia a amá-lo com breves palavras interiores, sem que eu soubesse o que era aquilo." (Autobiografia)

Como poderia sabê-lo? Ela o chama de "amigo secreto". Este será o estilo de intimidade de Jesus com Maria Celeste por toda sua vida, uma transformação interior, profunda. Ele vai lhe dizer:

" 'Eu quero ser o teu guia. Quero te conduzir. Não procure outro, mas a mim, eu serei teu mestre.' ... não tive outro desejo, senão agradar a Deus. E o Senhor me disse no interior do coração: 'Tu deves imitar minha vida, unida às obras da minha vida realizarás tuas próprias obras.' " (Autobiografia)

Maria Celeste relata tudo que passa em sua alma ao seu diretor, padre Cacace, que lhe assegura e lhe orienta na oração.
No Sábado Santo de 1718, durante a celebração da Missa de Ressurreição, ao canto do Glória:

"...senti a alma totalmente revigorada e restaurada. Respirei em teu santo e divino amor... senti-me fortalecida. Tu entraste em meu coração e me disseste: 'Que a Paz esteja em teu coração'. Ao ouvi-lo, minha alma se perdeu em Ti, absorvida em ti permaneci unificada."

Maria Celeste participa do mistério pascal de forma plena, e pode dizer: "Já não vivo, mas é Cristo que vive em mim."
Na primavera de 1718 entra para o Carmelo de Marigliano, e, seis meses depois, recebe o hábito de carmelita junto com sua irmã Úrsula, e no ano seguinte faz a profissão religiosa.

"Nesta profissão Tu, meu amor, me recebeste por esposa, dizendo-me que desde aquele momento eu seria totalmente tua, e Tu, totalmente meu."

Um ano mais tarde, em 1720, Joana reune-se a Celeste e Úrsula, e o Mosteiro de Marigliano passa a ser o lar feliz para as três irmãs Crostarosa.
No Carmelo de Marigliano Maria Celeste encontra-se com o padre Falcoia, da Congregação dos Pios Operários, destinado a guiar Celeste em sua futura obra como fundadora. O plano que Deus reserva para Celeste inclui o sofrimento redentor até a cruz.

FUNDADORA DA ORDEM DO SANTÍSSIMO SALVADOR

"Tu me fazias entender que toda a importância da vida espiritual consiste em manter-nos em tua divina presença, e em pensar só em Ti, amar só a Ti, não buscar nada, nem desejar outra coisa senão a Ti."

Em 1723, sendo extinto o Carmelo de Marigliano, irmã Celeste é conduzida a Scala para aí realizar a missão que Deus lhe destinara, o nascimento da Ordem das Monjas Redentoristas e da Congregação dos Padres Redentoristas. A semente que haverá de fecundar a Obra serão as humilhações e sofrimentos, com o sangue de seu coração...

"Começou o Senhor, durante a ação de graças da Santa Comunhão, a fazer-me sentir uma transformação de meu ser em Seu Ser. Aí se imprimiam em luz divina todas as Suas virtudes."

Em Scala, Celeste e suas irmãs são recebidas em uma comunidade onde se vivia a Regra das Visitandinas, um grupo que ainda não pertencia a nenhum Instituto, e aí reiniciam a vida religiosa.
Enquanto noviça, em 1725, o Senhor começa a lhe revelar:


"Ele me disse que desejava fundar uma ordem que deveria lembrar o mundo de tudo o que Ele tem feito pelo homem. Ao mesmo tempo, recebi clara e distintamente o que deveria estar contido na Regra, ordenou-me, em Seu Nome, que eu escrevesse tudo, e me deu entender que esta Ordem seria fundada por mim."


Maria Celeste escreve e envia ao padre Falcoia, diretor espiritual da comunidade, este se aborrece e lhe ordena, em primeiro lugar, a queimar a regra; em segundo lugar, a deixar de receber a Santa Comunhão até que ele vá a Scala; finalmente ordena que a Mestra a faça observar tudo que ele determina.
Irmã Maria Celeste sofre, dentro da comunidade, críticas e zombarias, porém segue tranqüila.

" Dize-me, que passa que tanto te aflige?... Tudo que tu recebes, sou Eu que recebo e não tu, confia em Mim que chegarão a ver as minhas obras."

Afonso de Liguori vai a Scala pregar na Catedral, e, a pedido do padre Falcoia, prega Exercícios Espirituais no Mosteiro da Visitação. Lá entrevista Maria Celeste e fica convencido de que está tratando com uma alma escolhida de Deus, reúne então a comunidade, para agradecer a Deus e adotar a Regra recebida d'Ele pela irmã Maria Celeste.
E, no Mosteiro de Scala, a 13 de Maio de 1731, num Domingo de Pentecostes, nasce a Ordem do Santíssimo Salvador, resultado direto da revelação do Pai a Maria Celeste:

"Tenho desejado ardentemente dar ao mundo o meu Espírito e comunicá-lo a todos... para envolvê-los no seio do meu amor."


O INSTITUTO DO SANTÍSSIMO SALVADOR

O sentimento da presença de Cristo é cada vez mais vivo na alma de Maria Celeste. Na comunidade há um forte empenho para aprofundar o espírito do Instituto, que tem como pilares "o desprezo de si mesmo, o grande amor a Deus e ao próximo, a abnegação e a caridade".

Surge nova luz, Deus lhe revela, em 4 de Outubro de 1731, que deseja a fundação do ramo masculino. Afonso é sempre o amigo que muito a ama, tem espírito conciliador, porém fez um voto de obedecer cegamente ao padre Falcoia como seu diretor espiritual.
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"O Senhor me ordenou a descrever a forma do novo Instituto com as palavras do Evangelho que diz: 'Ide pregar a toda criatura que está próximo o Reino de Deus'. Os exercícios espirituais são os mesmos da Regra escrita... os consagrados devem viver em pobreza apostólica... como pobres peregrinos..."

Ao ser revelado o ramo masculino dedicado ao apostolado, Afonso foi indicado por Deus para dirigir e dar vida à Obra. Maria Celeste comunica tudo a Afonso e também ao padre Falcoia, o qual não quer dar crédito às suas palavras.
Afonso não dá resposta imediata, deseja consultar pessoas de notória santidade e prudência. Em princípios de 1732 Afonso decide-se, reconhece como vontade de Deus sua missão de dar vida ao novo Instituto. Logo surgem alguns companheiros.

São necessários alguns meses para que o grupo de missionários, tendo Afonso à frente, inicie a vida regular do novo ramo do Instituto. Em 9 de Novembro de 1732, no Mosteiro das monjas de Scala, tem início o novo ramo apostólico.

Está formado na Igreja o Duplo Instituto: Ordem do Santíssimo Salvador, das monjas, e Instituto do Santíssimo Salvador, dos padres missionários, ambos com o mesmo fim de "Cooperar com Cristo na Redenção".
MULHER LEAL A SI E A DEUS

Padre Falcoia, que teve grande influência na fundação da Ordem das monjas do Santíssimo Salvador e com a fundação do ramo masculino. Ele e os companheiros de Afonso introduzem modificações na Regra.
Maria Celeste não contesta Afonso, mas abre sua consciência a seu confessor padre Romano.

"Desde este momento eu renuncio... meu espírito está tranqüilo e nada temo, caminhando à luz do Evangelho, caminho de meu amoroso Jesus... desejando só a Ele e a Ele crucificado, derramarei lágrimas pelos meus pecados, porém com doçura infinita."

Padre Falcoia lhe impõe condições e exige que as aceite todas: que ela aceite e assine a nova versão da regra tal como lhe apresentam; que não mais se comunique com Silvestre Tosquez, um amigo das irmãs; que faça voto de obedecer somente a ele como seu diretor espiritual.
Maria Celeste aceita as duas primeiras imposições e rejeita a última. Esta atitude de padre Falcoia é, para ela, uma violação de sua liberdade de consciência. É, então considerada rebelde; é punida, retirada da comunidade, proibida de receber a Santa Comunhão e tachada de soberba.
Padre Falcoia impõe sua autoridade sobre toda a comunidade. Maria Celeste é expulsa do Mosteiro. Em 14 de Maio de 1733, Ano da Redenção, Maria Celeste, fiel à sua consciência, aceita tudo com o coração transpassado e deixa o Mosteiro.

Seguindo a trilha do abandono, lança-se confiante na vontade de Deus. Será difícil intuir os sentimentos desta mulher neste momento e o que se passa em sua alma, ela parte serena com sua irmã Ùrsula, seguindo os passos do Redentor.

"O Senhor dispôs minha saída do Mosteiro, sem que eu cooperasse para tal em nada, nem o procurasse. Totalmente contra a minha vontade". (Autobiografia)

CELESTE E GERALDO, ANDARILHOS
A CAMINHO DA CASA DO PAI

Em 13 de Maio de 1733 Maria Celeste é despojada do hábito que vestia havia dois anos no Mosteiro de Scala. No dia seguinte, 14 de Maio, abandona seu Mosteiro vestindo hábito emprestado das beneditinas de Scala.
Andarilha fiel à vontade de Deus, dirige-se a Pareti, pequena aldeia de Nocera, e é recebida no Mosteiro da Anunciação com o fim de permanecer três meses.

"Compreendi que Deus me havia conduzido até ali para ajudar aquelas religiosas... e recebi ordem do bispo para assumir o cargo de superiora sem escusa nenhuma, por três anos, e realizar a reforma daquele Mosteiro."

Enquanto se ocupa da reforma do Mosteiro, recebe cartas convidando-a para fazer fundações em Perugia e também Rocapiemonte.
Atendendo as insistências do Duque de Rocapiemonte, ela segue para realizar a fundação no mês de Novembro de 1735; de reformadora converte-se em fundadora. Inicia-se, para Maria Celeste, um período de paz e fecundidade em que ela escreve suas obras.
Em seguida Maria Celeste é convidada a fundar em Foggia e parte, confiante na vontade de Deus. Quem busca a Deus na interioridade necessariamente é um andarilho. A 22 de Março de 1738 a fundação foi realizada com solenidade e participação do povo.


"Uma manhã, ouvi do Senhor sua voz em meu interior:'Vá a Foggia, quero que se faça ali a fundação de um Mosteiro'. Comecei colocando a Regra primitiva que o Senhor me havia revelado em Scala, já tendo algumas jovens se apresentado."

Nesta época, é importante lembrar a presença atuante de São Geraldo Magela, ele conduz ao Mosteiro sua sobrinha e outras jovens. Na clausura ele dirige exercícios espirituais. Geraldo e Celeste mantém uma santa e calorosa amizade, partilham experiências místicas de oração e se afervoram, crescendo no amor de Deus, de modo que não se sabe se ela o ajuda ou é ajudada por ele. Esta amizade dura até o fim de suas vidas. São Geraldo, em 16 de Outubro de 1755, em seu leito de morte, diz: "Vi Celeste, como uma pomba, subir para o céu".
Em Foggia a "Santa Priora" passa a última etapa de sua vida, aí termina seus escritos. Em 14 de Setembro de 1755, numa sexta-feira, pede que seja feita a leitura da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, e, às quinze horas da tarde, parte, agora para a casa do Pai.

"A primeira lição que Tu me deste é a de manter o olhar continuamente fixo em teu Divino Ser." Maria Celeste é extremamente contemplativa? É apostólica? Vai mais além, sua vida é transparência radiante de Cristo.


ESPIRITUALIDADE CROSTAROSIANA

O projeto crostarosiano de vida religiosa brota de uma experiência profunda do Mistério Redentor. Quem toma conhecimento da mensagem espiritual de Maria Celeste se surpreende com a intuição teológica que a faz saltar séculos para se firmar na doutrina cristocêntrica inspirada na teologia da salvação, em São Paulo: Cristo Jesus como mistério de Deus na obra da redenção.
Ao contrário do que ocorre geralmente, a Regra do Santíssimo Salvador nasceu antes do Instituto. Por isto, não é uma norma, mas, antes, uma necessidade de dar forma a um ideal. Maria Celeste não propõe uma idéia, nem uma doutrina como norma da Ordem e da vida contemplativa Redentorista, propõe uma pessoa: Jesus Cristo.
O projeto de vida que nos propõe está contido nesta frase personalíssima e exclusiva de Maria Celeste:
"Ser Viva Memória de Jesus Cristo". Imitação como atualização, tornar real a verdadeira imagem de Cristo no mundo.
APROVAÇÃO DA REGRA DO DUPLO INSTITUTO

Em 25 de abril de 1749, a Congregação do Santíssimo Salvador recebe do papa Bento XIV a aprovação de sua regra, porém para se evitar confusão com outro instituto de mesmo nome, o papa dá ao Instituto o novo nome de Congregação do Santíssimo Redentor.
A Ordem feminina, no momento da aprovação pontifícia em 11 de Agosto 1750, pelo papa Bento XIV, recebeu o título de Ordem do Santíssimo Redentor. O nome exprime a razão de ser da Ordem: continuar, em Cristo, a missão que ele recebeu de seu Pai, para a Redenção do mundo.
Madre Maria Celeste, ao redigir a Regra Primitiva, recomenda que a veste seja "uma túnica vermelho escuro para lembrar aos homens o amor misericordioso por eles". Hoje a Ordem se estende pelos cinco continentes.




Com.
de
Barrie, Canadá